Revista Epoca : Como desativar as bombas?
11/03/2010 - 14:27
West Yorkshire é uma região da Inglaterra que reúne várias cidades que, juntas, têm cerca de 2,2 milhões de habitantes. Fica cerca de 280 quilômetros ao norte de Londres, mas é como se estivesse a um oceano de distância. Em Halifax, por exemplo, uma das cidades, você vê cenas simplesmente inimagináveis na elegante, educada e civilizada Londres. Num pub, talvez você enfrente a visão de um cliente jogando no chão pedras de gelo indesejadas que lhe foram servidas na bebida. Em Bradford, vizinha colada e um pouco maior de Halifax, você só receberá a nota fiscal de um restaurante se pedir e, às vezes, insistir. A paisagem local mistura a beleza das montanhas com a desolação de ruínas de fábricas há longo tempo fechadas. Um dos berços da Revolução Industrial, a região assistiu impotente, nas últimas décadas, ao deslocamento de suas atividades econômicas tradicionais para países onde a mão de obra era mais barata, como a Índia e a China. Você tem a sensação, ali, de que está num dos pedaços mais sonolentamente tranquilos da Europa e do mundo. Mas é apenas uma impressão.
A polícia britânica colocou atenção máxima em West Yorkshire. Se antes era um fabricante de tecidos de classe mundial, West Yorkshire passou a produzir, recentemente, jihadistas num número que assusta. Jihadistas são os muçulmanos dedicados ao jihad, “guerra santa” em árabe. Não existe privilégio maior, para eles, do que o martírio – morrer pela causa. Nos últimos tempos, ser mártir, para um jihadista, é basicamente ser um homem-bomba e morrer para matar. O alvo são os infiéis, uma definição ampla, geral e irrestrita que alcança virtualmente todo aquele que não seja muçulmano e, portanto, devoto de Alá e Maomé. Eram de West Yorkshire três dos quatro terroristas que promoveram o ataque suicida que os ingleses chamam de 7/7: a explosão de bombas em três trens do metrô e um ônibus duplo em 7 de julho de 2005, com 52 mortes.
É também de lá o mais jovem preso por razões de terror da história penal britânica, Hammaad Munshi, um garoto de 15 anos que, enfiado no quarto com seu computador, se conectava com sites extremistas enquanto os pais pensavam que ele estudava. Ele foi o primeiro preso graças a um adendo destinado a endurecer a legislação britânica antiterror. Glorificar o martírio é, agora, razão suficiente para a cadeia. Como os três conterrâneos do atentado de 7/7, o jovem Munshi pertence ao que foi, antes, a pacata comunidade paquistanesa. Os primeiros imigrantes do Paquistão foram os braços que tocaram as máquinas da indústria têxtil de West Yorkshire em seu último ciclo pujante.
O chefe da polícia de West Yorkshire, Norman Bettison, calcula que serão necessários 20 anos de trabalho duro para “erradicar a infecção” do extremismo. Ele tem reclamado mais ação dos muçulmanos moderados. Quer deles, que são a ampla maioria, uma reprovação clara ao terror. Isso tem acontecido a conta-gotas, até aqui. Entre os pregadores da concórdia está o escritor Tariq Ramadan, professor de estudos islâmicos contemporâneos da Universidade de Oxford. Ele acaba de lançar o livro No que acredito. “Deus deseja facilitar as coisas para você, não dificultar”, diz ele. “O Corão nos lembra, e Maomé confirma: ‘Torne as coisas fáceis, não as faça complicadas’.” Um exemplo clássico muito citado dessa visão é o ramadã, o mês do jejum. Não é um jejum absoluto. Em determinadas horas do dia, o fiel pode se alimentar. Aí, segundo o professor, está um chamado contra os excessos. “Desde o princípio, muitos estudiosos islâmicos dedicados a interpretar o Corão definiram os muçulmanos como a comunidade da moderação”, afirma Ramadan (leia a entrevista).
Um grito ainda mais forte pela harmonia partiu há pouco do Paquistão, hoje um pedaço complicado do Oriente Médio. É lá a base de operações do principal grupo terrorista islâmico, a Al Qaeda, de Osama Bin Laden. Um influente líder religioso paquistanês, Mummad Tahir ul Qadri, chamou os homens-bomba de “heróis do inferno” numa fatwa de 600 páginas. Nela, Qadri expressou sua condenação “absoluta” ao terrorismo, sem “desculpas ou pretextos”. Fatwa – um edito religioso – é uma palavra árabe que se tornou célebre no Ocidente em 1989. Neste ano, o aiatolá iraniano Ruhollah Khomeini lançou uma fatwa que condenava à morte o escritor Salmon Rushdie por causa de seu livro Versos satânicos, considerado ofensivo a Maomé. Rushdie passou os dez anos seguintes se escondendo.
Os protestos incandescentes contra seu livro foram o primeiro grande marco na crônica recente do extremismo islâmico. Ali se manifestou, apoteoticamente, o que o cientista político americano Samuel Huntington definiria, nos anos 1990, como o “choque de civilizações”. Terminada a Guerra Fria com o colapso da União Soviética no final da década de 1980, Huntington previu não a caminhada tranquila e triunfal do livre mercado sob o comando dos Estados Unidos, mas uma nova era de confrontos em torno de cultura e religião, não mais de ideologia. A destruição tenebrosamente espetacular das torres gêmeas de Manhattan em 2001 por aviões tomados por terroristas da Al Qaeda deu notoriedade global à tese de Huntington. Dois anos depois, a Guerra do Iraque exacerbaria ainda mais as tensões. Pareceu, por um momento, que bastava remover Saddam Hussein. Não era bem assim. Um grupo de insurgentes se rebelou contra a presença americana, e o Iraque acabou por ganhar as feições pavorosas tão bem captadas pelo filme vitorioso de Kathryn Bigelow (leia a reportagem). Na semana passada, foram realizadas eleições no Iraque. Além de duas ou três dezenas de mortes em atentados, ficou a incógnita sobre se, com a saída anunciada das tropas americanas, será viável estabelecer uma democracia lá (leia a reportagem).
Mummad Tahir ul Qadri dirige uma associação islâmica com ramificações em 90 países, mas se sua fatwa terá o poder de desarmar bombas é uma questão em aberto, para o futuro. No presente, o quadro inquieta e assusta. Clamar pela moderação não tem sido fácil entre os muçulmanos que repudiam o terror. “Tenho sido repetidamente chamado de kafir (infiel), murtad (apóstata) e impostor que adultera o islã para, de dentro dele, destruí-lo”, diz Ramadan. “Isso acontece com um largo número de muçulmanos reformistas – que, paradoxalmente, são ao mesmo tempo considerados ‘fundamentalistas’ e ‘extremistas’ em certos grupos de direita no Ocidente.”
Source : http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI126794-15227,00-COMO+DESATIVAR+AS+BOMBAS.html
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